Crédito: Marina Vancini/ arte: Vinícius Tibuna.
Um dos trabalhos das artes plásticas mais comentados dos últimos séculos – e talvez o de mais difícil interpretação -, “O Jardim das Delícias Terrenas” é um tríptico do holandês Hieronymus Bosch que descreve a história do mundo a partir da criação. O delírio infernal na icônica obra se traduz nas inúmeras e excêntricas informações sobre o paraíso e as trevas, dividindo opiniões e alimentando mistérios até os dias de hoje.
Foi inspirado pelo polêmico quadro que o artista saudade decidiu pautar o seu primeiro álbum, não por acaso batizado de “jardim entre os ouvidos”. Cada canção seria um microuniverso dentro deste lugar interno para onde as pessoas são transportadas ao escutar música – sem precisar dar um passo sequer. “Logo no primeiro verso da introdução, convido o ouvinte a viajar comigo para este universo que é tão particular para cada um”, explica o artista, citando o que é cantado na faixa que dá nome à obra: “tento estar presente nos momentos // mas me ausento porque vou para dentro de mim demais”.
Conectadas, as nove músicas se apresentam como capítulos de uma história narrada ao longo dos breves, porém completamente impactantes 26 minutos de disco. Trata-se de uma jornada que adquire um caráter épico ao ser amparada pela orquestra russa, de São Petersburgo, que faz uma ilustre participação.
O protagonista desta história é saudade, que interpreta e assina todas as composições, bem como os pianos e violões. Depois de uma longa trajetória na banda Hover, o músico em carreira solo passou por um sensível processo de redescoberta sonora pautado por influências bastante brasileiras, como Os Mutantes e Clube da Esquina. “Cada canção é um recorte de um momento que estava vivendo, mas também do que estava visitando neste mergulho na música brasileira que fiz até aqui”, afirma.
Ao seu lado nesta profunda viagem estão o baterista Bruno Bade, o baixista Leandro Bronze e o guitarrista Renan Vasconcelos, além de uma grande equipe técnica que também assumiu o projeto como seu. Gravado em um estúdio em Araras, cujo cenário através das janelas eram as montanhas da serra fluminense e o céu desanuviado de verão, o álbum trata sobre os impactos de um relacionamento vivido pelo artista e sua busca por um lugar no mundo em que ele apenas se bastasse.
“Para descobrir essa identidade em português, precisei ficar muito sozinho e isso foi uma experiência profunda de autoconhecimento. Na solidão, percebi o quanto a gente precisa do outro para enriquecer a criação, fazendo da música um ponto de congregação para as pessoas”, acredita o artista.
Curiosamente, a faixa escolhida para o lançamento de ‘jardim entre os ouvidos’, que chega às principais plataformas de streaming no dia 19 de novembro, é a última do disco: ‘segue o vento’ mistura beats eletrônicos com as cordas clássicas orquestrais e deixa a lição de que as adversidades servem como combustível para a vida. Ela sintetiza o trabalho solo de saudade e promete deixar um impacto nos ouvintes que ecoará dias depois de conhecerem a obra: “É a música que conclui, mas também que condensa o álbum”, diz.
Já em ‘puxa o fio’, os primeiros acordes espaçados e a melodia inicial introspectiva criam o ambiente solitário proposto pela letra que se desenvolve a partir de um ato falho cometido pelo artista logo depois de sua separação. Aqui, o ato corriqueiro que dá nome à canção é uma metáfora para fim de um relacionamento abalado por desconfianças.
O disco também aborda outros tipos de sentimento. “amor manso” foi composta por saudade quando ele adotou sua gata chamada Ricota e redescobriu uma conexão com sua vida. A mansidão dos momentos divididos entre os dois trouxe a paz de espírito refletida em arranjos descomplicados, de voz e violão. Recentemente o artista lançou um lindo clipe, feito a partir de vídeos enviados por fãs e amigos com seus bichanos.
Primeiro single lançado, “cabeça ruim” nasce a partir da ideia de que deus é um conceito geográfico – que varia de acordo com lugar, povo ou religião. A música busca trazer uma reflexão sobre crenças e como suas narrativas são controladas pelo viés de quem detém o poder e a inspiração surgiu durante uma conversa com André Ribeiro e Rafael Lira, ex-integrantes da banda Alaska.
Todas as faixas são acompanhadas de um lyric vídeo (fora dos modelos convencionais), produzido pela videomaker Beatriz Grieco, e por artes assinadas pelo artista Vinícius Tibuna – ambos responsáveis por trazerem todo o conceito da obra para a parte estética. Já a dupla de diretores HuFa ficou responsável pelo clipe de “segue o vento”, que será lançado no dia 25 de novembro.