O projeto chega ainda com uma websérie no YouTube envelopada em estética afrofuturista, outra marcante assinatura do multifacetado artista, que também está sempre à frente da direção das suas produções audiovisuais – e nas quais eventualmente atua. Composta por oito music visualizers – um para cada faixa inédita e com o número 8 representando o infinito, simbolizando a cura infinita de cada um -, a série chega ao canal do artista na próxima terça-feira (01/06) e retrata o encontro de um casal que se apaixona e vive um drama da vida cotidiana, em um processo contínuo de busca pela referida cura do título do disco.
Com nove faixas no total, o álbum alcança o feito de simultaneamente ser uma obra essencialmente pessoal do artista, enquanto transmite uma mensagem universal a quem escuta. A universalidade, aliás – para além da experiência sensorial intensificada pelo caráter instrumental do projeto – fica evidente também no título das canções, apresentando elementos comuns à trajetória humana: “Nascimento”, “Choro”, “Sensível”, “Chuva”, “Amor”, “Felicidade”, “Caminho” e “Esperança” – sendo essa última o único single já lançado, com a participação de Serjão Loroza. A única faixa que foge a essa regra, e não à toa, é “Sino da Igrejinha”. Canção de domínio público e familiar aos cultos de matrizes africanas, ela foi a escolhida para ser a primeira da tracklist. “Dentro dos terreiros, essa é uma música cantada para a entidade responsável por abrir os caminhos para todas as coisas”, explica Ferr, evidenciando mais uma faceta de sua personalidade plural.
Além da brilhante musicalidade, “Cura” encanta também pela proposta democrática – sem perder o apuro técnico -, tendo como um de seus objetivos principais a desmistificação da música instrumental como um gênero erudito. O caráter contemporâneo do urban jazz – estilo assumido pelo músico para denominar a mistura de elementos do jazz, hip hop, R&B e outros estilos de música urbana, promovendo um verdadeiro mix pop – contribui para o alcance mais popular que Jonathan almeja. “Busquei um certo minimalismo para a produção de ‘Cura’, no sentido de apostar em poucos elementos e muita clareza nas informações musicais. É um disco fácil de ouvir e sentir”, diz Jonathan. O cuidado fica evidente na audição do álbum, que traz sempre o piano no centro de cada composição, acompanhado de um quinteto de cordas e alguns convidados especiais, como o violoncelista Jaques Morelenbaum, a filósofa Viviane Mosé e o cantor Serjão Loroza.”Penso nesse projeto como uma espécie de ‘Jonathan Ferr Unplugged’, porque eu me dispo muito de toda essa essa coisa de banda, cantores e etc.”, completa.
Outro importante pilar de “Cura” é o conceito de música-medicina, com intenção clara desde o título do álbum, uma vez que Jonathan acredita na música como um elemento para acalentar a alma em busca do ‘curamento’. “O conceito (de música-medicina) normalmente está ligado à música espiritualista, e eu acho muito bonito pensar nele dentro da proposta instrumental também, porque acredito que a música por si só é medicinal. O que seria de nós na pandemia se não fosse a música, por exemplo? Então eu intencionalmente quis trazer o disco pra esse lugar, onde você pode dar o play, meditar e etc., usando esse disco para um movimento de autocura mesmo”, declara o artista. “Na última faixa, ‘Caminho’, a Vivi Mosé declama um texto lindo e poderoso no qual ela diz ‘o que cura é a vida’, que resume muito bem a proposta do disco. Ela usa ainda um mantra indígena que eu gosto muito, que é ‘a cura está acontecendo agora, nesse momento’. E é isso o que quero dizer: a cura é a vida, a água pura, é estar com quem você ama, é o bom dia para o quem acorda do seu lado, é olhar para o seu filho e se reconhecer nele, é comer uma comida gostosa, é beber uma cerveja com os amigos”, exemplifica Jonathan.
Assim como o próprio artista, “Cura” é um disco repleto de nuances, que conversam de maneira muito orgânica e de fácil absorção ao ouvinte. Ao mesmo tempo em que o álbum apresenta uma essência sentimental, a busca pela espiritualidade e um caráter curativo – evidentes em “Sino da Igrejinha” e “Caminho”, respectivamente -, ele não deixa de apresentar também seu viés político-social alinhado com a identidade do seu criador, como na track “Esperança”, que traz um poema de autoria Ferr declamado por Serjão Loroza e um clipe repleto de simbolismos. Mas há também espaço para faixas como a love song “Amor”, um blues sensual para dançar a dois; “Choro”, que imprime uma conexão com nossos sentimentos mais profundos; “Felicidade” e sua vibe rock’n roll’ com um solo de guitarra; o resgate a um local seguro da infância em “Chuva”; uma reflexão sobre a deusa egípcia Maat e a energia do feminino em “Sensível”, com participação do violoncelista Jaques Morelenbaum; e uma homenagem ao ícone da MPB Milton Nascimento em “Nascimento”.
Tornar sua obra e mensagem acessíveis é tão importante para Jonathan que, segundo o artista – e ao contrário da maioria dos álbuns musicais -, a ordem de consumo das faixas proposta na tracklist não é essencial para a compreensão do disco. “Com esse trabalho estou buscando conexão com todo mundo – desde uma senhorinha humilde que mora no interior e nem sabe o que é jazz, até um colecionador que tenha milhares de vinis em casa. Quero que todos que deem play nesse álbum sintam e estabeleçam uma conexão, porque vão entender. Não quero mostrar que consigo fazer 30 notas por segundo, porque acho que isso não conecta ninguém. Então esse é um álbum que fiz para alcançar esse lugar e que vai trazer muitas possibilidades”, conclui Jonathan.